ESCRITORA | COLUNISTA | PESQUISADORA
Nasci em Lisboa no dia 24 de janeiro de 1979 durante o exílio político dos meus pais, que, depois de anos clandestinos, decidiram fugir da ditadura militar no Brasil. Em setembro do mesmo ano, veio a Lei da Anistia e, com ela, voltamos para o Rio de Janeiro, cidade onde cresci e vivi até os meus 34 anos. A minha mãe era jornalista – primeiro, de política internacional, tendo sido a primeira correspondente de guerra brasileira, depois, crítica de cinema – e meu pai, professor de filosofia. Cresci numa casa rodeada de livros e de adultos que haviam lutado pela democracia, vivido a revolução sexual e que tinham nas artes e no pensamento seu espaço de liberdade. Me apaixonar pela literatura foi, portanto, um acontecimento bastante natural. Eu era adolescente quando tive a certeza de que queria escrever.
Segui o percurso acadêmico, fiz graduação, mestrado e doutorado e nessa altura, eu ainda guardava nas gavetas toda a ficção que eu escrevia. Aos 25 anos, publiquei meu primeiro conto. Tive a sorte de ser lida pelo escritor Luiz Ruffato, que estava fazendo uma antologia reunindo 25 mulheres da nova literatura brasileira. Ele me convidou para participar do livro, e assim publiquei meu segundo conto, que, por ter sido muito comentado, me abriu algumas portas. Assim, quando terminei meu primeiro romance – A chave de casa– já tinha uma editora no Brasil e outra em Portugal interessadas nele.
A chave de casa é um romance que parte da história da minha família, judeus sefarditas expulsos de Portugal na Inquisição, que fugiram para a Turquia até chegarem ao Brasil, séculos depois. Com ele, recebi o prêmio São Paulo de Literatura 2008 de melhor romance de estreia e fui finalista dos principais prêmios brasileiros. Aos poucos, o romance foi ganhando o mundo, tendo sido publicado em dezesseis países. Com ele, recebi ainda o English Pen Award. Depois de 18 anos, o livro agora ganha uma edição especial no Brasil e outra em Portugal.
Desde então, nunca parei de escrever – sobretudo romances, mas também contos, publicados em antologias do mundo inteiro, livros de ensaio, livros infantis, crônicas no jornal Valor Econômico, roteiros de filme e peças de teatro. Alterno entre a ficção e a autoficção e gosto muito de experimentar diferentes formas de escrita. Os traumas geracionais, a memória e a violência de gênero têm sido os temas mais recorrentes nos meus livros. Interessa-me investigar os silêncios, os segredos familiares e expor a violência à qual nós, mulheres, somos submetidas com frequência.
Dentre os contos, o mais traduzido e comentado foi “Tempo Perdido”, elogiado pelo escritor Ian McEwan num programa de rádio da BBC, que vocês podem ouvir aqui.
Vista Chinesa, publicado em 2021, é meu segundo romance com mais traduções, tendo sido publicado em dez países. Nele, ficcionalizo a história real do estupro de uma das minhas melhores amigas às vésperas das Olimpíadas no Rio de Janeiro. Com ele, também fui finalista dos principais prêmios de língua portuguesa, além de ter sido uma das cinco finalistas do prestigiado prêmio alemão LiBeratur. O romance recebeu críticas excelentes em vários jornais espanhóis, alemães, ingleses, entre outros. Em breve, ele se tornará filme, produzido pela prestigiosa Conspiração Filmes.
No romance seguinte – Melhor não contar –, publicado em 2024, decido narrar, a partir da minha relação com a minha mãe, morta quando eu tinha vinte anos, o assédio que sofri do meu padrasto na adolescência. Aqui, pela primeira vez decidi falar abertamente sobre o abuso, mas também sobre a doença da minha mãe e o luto, e pensar o papel da escrita na elaboração desses acontecimentos. Sem dúvida, com este livro tive as reações mais próximas e emocionadas dos leitores brasileiros e portugueses. Em breve, ele sairá na Argentina e na Alemanha e, quem sabe, em outros países.
Faz tempo que não escrevo para crianças. Escrevi dois livros infantis – Curupira Pirapora e Tanto Mar–, pelos quais recebi dois prêmios importantes (da Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil e da Academia Brasileira de Letras, respectivamente). O que acho mais curioso é que os escrevi antes de me tornar mãe. Tenho dois filhos, Vicente, de 9 anos, e Esther, de 6, que nasceram em Lisboa, onde vivo desde o início de 2013 – e onde trabalho também como pesquisadora e professora de filosofia e literatura na Universidade NOVA de Lisboa. Talvez eu tenha que esperar que eles cresçam um pouco para eu voltar a escrever para o público infanto-juvenil.
Por fim, queria falar dos meus trabalhos em colaboração. Se eu tivesse que escolher, diria que aquilo de que mais gosto na vida é escrever meus romances sozinha e em silêncio, mas tenho tido sorte nos meus trabalhos em colaboração. Para o cinema, assinei dois roteiros com a prestigiada diretora Lucia Murat: A memória que me contam e Ana. Sem título, e fiz um filme com o diretor português Miguel Gonçalves Mendes e o escritor brasileiro João Paulo Cuenca, intitulado Nada tenha de meu, uma espécie de diário de viagem ficcionalizado pelo Extremo Oriente. No teatro, colaborei com a peça Depois do silêncio, da diretora Christiane Jatahy, premiada com o Leão de Ouro em Veneza. Junto com a Flávia Lins e Silva, renomada escritora para o público juvenil, escrevi três peças de teatro baseadas na vida e na obra de Sophia de Mello Breyner Andresen. Uma delas, Um país que é a noite, foi encenada no Teatro da Trindade em Lisboa em 2025.
Agora, além de continuar a escrever as minhas crônicas para o Valor Econômico, estou concentrada na escrita de um livro que começou em 2011, com a viagem que fiz a uma ilha misteriosa no Maranhão.